Imigrante brasileira na África do Sul contou sobre sua vida no continente africano
Por: Leandro Gaignoux
Traça *Nagô* - A senhora viveu o auge do apartheid, como foi conviver com isso?
R: Eu quase não presenciei nada, porque a mulher ficava mais em casa, mas meu marido viu diversas vezes no trabalho. Os sul-africanos brancos judiaram muito dos negros. No fim do expediente eles se sentavam e faziam os negros tirarem os sapatos deles, e se não tirassem, apanhava. Se alguma ferramenta sumisse, eles apanhavam de chicote na sala do supervisor.
TN- Senhora chegou a passar por algum problema desde que chegou ou algum tipo de discriminação?
R: Não sofri, sabe por quê? Eu trato eles muito bem, durante um tempo trabalhei em um açougue, sempre fui respeitada e bem tratada. Vinham na minha casa, não havia discriminação. Meu marido chamava os negros que trabalhavam com ele para vir aqui em casa, sentavam no sofá, comiam uns aperitivos, nós nunca separamos. De jeito nenhum posso falar mal deles.
TN- No Brasil a nossa situação racial é muito diferente, todo mundo vivendo misturado sem maiores problemas. Como é conhecer os dois extremos?
R: Eu tenho muita pena, o negro tem o mesmo direito que nós. Se eu cortar meu dedo a cor do sangue é vermelho, não é azul, nem branco. Agora você pode ir ao mercado e reparar, o branco leva a cestinha enquanto o negro está com o carrinho cheio. A situação está mudando.
TN- Quantos anos tinham seus filhos quando vieram para cá? Eles sentiram a mudança?
R: Minha filha tinha doze anos e o menino dez. Sentiram bastante, não falavam nada, a menina chorava dizendo que não entendia nada que era falado na escola. Mas eu sempre falava que ela iria aprender, as professoras sempre foram dedicadas, sabiam que éramos imigrantes, então tinham paciência.
TN- Eles estudavam em colégio inter-racial ou separado?
R: Eu coloquei em um colégio que tinha tanto negros e brancos. Mas geralmente eram mais brancos, era difícil ter muito negro nas escolas.
TN- E seus filhos, crianças com os pensamentos em formação, como lidaram com o apartheid? Ficavam neutros ou tinham um lado preferencial?
R: Meu filho não, a menina era um pouco e no começo ela era da teoria de que cada um para o seu lado, mas hoje em dia isto mudou. Eu dizia assim: Filha eles são gente igual a nós, não pode ser assim não.
TN- Existiam muitos brancos lutando pelos direitos dos negros?
R: Existiam pessoas normais como nós, mas gente grande como fazendeiros, empresários não tinha não.
TN- Notícias sobre os acontecimentos do Apartheid nos centros urbanos eram bem comuns, mas nas áreas rurais onde geralmente os pensamentos das pessoas costumam ser mais fechados, Como era cenário por nestas regiões?
R: Os fazendeiros afrikaans (brancos descendentes de holandeses) são muito racistas. Se eles arrumavam uma família para trabalhar na fazenda, a mulher ia para casa, o filho ia para o campo e o negro tinha que dar suas filhas para o patrão. Era de mais.
TN- Ao fim do regime segregacionista, qual era o sentimento popular entre negros e brancos?
R: Foi uma farra por parte dos negros, já os brancos ficaram chateados e receosos com o que poderia acontecer no futuro, era um novo cenário.
TN- Nelson Mandela é uma pessoa muito respeitada não só na áfrica, mas também no mundo. Como a senhora viu as atitudes tomadas por ele no tempo em que governou este país?
R: Mandela é querido no mundo inteiro, mas acho que ele estragou este país no sentido de liberdade. Poderia ter concedido desde o começo, não completamente, ele acabou abrindo as portas. Eu falava para o meu marido que o meu sonho era poder ir no parlamento para dar um abraço no Mandela.
TN- Muitas pessoas dizem que após o Apartheid a figura respeitada do Mandela impediu um novo conflito racial e que este país seria um barril de pólvora preste a explodir novamente. A senhora concorda?
R: Eu acho que não, o cenário é outro e para mim as cabeças de hoje em dia são diferentes. Você vê muitos negros e brancos namorando, naquela época se acontecesse certamente seriam discriminados e punidos. Antigamente as empregadas tinham um quarto e um banheiro para elas, os brancos iam lá, se a polícia pegasse a pena seria pesada.
TN- A senhora juntamente com os imigrantes que vieram tentar a vida se sentem parte responsável pelo crescimento deste país?
R: Eu acho que sim, por que não tinha nada e eles construíram estradas, represas, toda uma estrutura. Meu marido trabalhou três anos em uma barragem, foi uma aventura que com certeza que a gente nunca esquece.
TN- Que recado a senhora dá para quem deseja fazer esta aventura que a senhora fez?
R: Que pense bem antes de tomar alguma atitude, pois hoje em dia o cenário é diferente em relação a quarenta e seis anos atrás.
Dirce Carvalho Feliceti, Imigrante brasileira na África do Sul a 46 anos.
Por: Leandro Gaignoux
Traça *Nagô* - A senhora viveu o auge do apartheid, como foi conviver com isso?
R: Eu quase não presenciei nada, porque a mulher ficava mais em casa, mas meu marido viu diversas vezes no trabalho. Os sul-africanos brancos judiaram muito dos negros. No fim do expediente eles se sentavam e faziam os negros tirarem os sapatos deles, e se não tirassem, apanhava. Se alguma ferramenta sumisse, eles apanhavam de chicote na sala do supervisor.
TN- Senhora chegou a passar por algum problema desde que chegou ou algum tipo de discriminação?
R: Não sofri, sabe por quê? Eu trato eles muito bem, durante um tempo trabalhei em um açougue, sempre fui respeitada e bem tratada. Vinham na minha casa, não havia discriminação. Meu marido chamava os negros que trabalhavam com ele para vir aqui em casa, sentavam no sofá, comiam uns aperitivos, nós nunca separamos. De jeito nenhum posso falar mal deles.
TN- No Brasil a nossa situação racial é muito diferente, todo mundo vivendo misturado sem maiores problemas. Como é conhecer os dois extremos?
R: Eu tenho muita pena, o negro tem o mesmo direito que nós. Se eu cortar meu dedo a cor do sangue é vermelho, não é azul, nem branco. Agora você pode ir ao mercado e reparar, o branco leva a cestinha enquanto o negro está com o carrinho cheio. A situação está mudando.
Leandro Gaignoux diretamente da
África do Sul
África do Sul
TN- Quantos anos tinham seus filhos quando vieram para cá? Eles sentiram a mudança?
R: Minha filha tinha doze anos e o menino dez. Sentiram bastante, não falavam nada, a menina chorava dizendo que não entendia nada que era falado na escola. Mas eu sempre falava que ela iria aprender, as professoras sempre foram dedicadas, sabiam que éramos imigrantes, então tinham paciência.
TN- Eles estudavam em colégio inter-racial ou separado?
R: Eu coloquei em um colégio que tinha tanto negros e brancos. Mas geralmente eram mais brancos, era difícil ter muito negro nas escolas.
TN- E seus filhos, crianças com os pensamentos em formação, como lidaram com o apartheid? Ficavam neutros ou tinham um lado preferencial?
R: Meu filho não, a menina era um pouco e no começo ela era da teoria de que cada um para o seu lado, mas hoje em dia isto mudou. Eu dizia assim: Filha eles são gente igual a nós, não pode ser assim não.
TN- Existiam muitos brancos lutando pelos direitos dos negros?
R: Existiam pessoas normais como nós, mas gente grande como fazendeiros, empresários não tinha não.
TN- Notícias sobre os acontecimentos do Apartheid nos centros urbanos eram bem comuns, mas nas áreas rurais onde geralmente os pensamentos das pessoas costumam ser mais fechados, Como era cenário por nestas regiões?
R: Os fazendeiros afrikaans (brancos descendentes de holandeses) são muito racistas. Se eles arrumavam uma família para trabalhar na fazenda, a mulher ia para casa, o filho ia para o campo e o negro tinha que dar suas filhas para o patrão. Era de mais.
TN- Ao fim do regime segregacionista, qual era o sentimento popular entre negros e brancos?
R: Foi uma farra por parte dos negros, já os brancos ficaram chateados e receosos com o que poderia acontecer no futuro, era um novo cenário.
TN- Nelson Mandela é uma pessoa muito respeitada não só na áfrica, mas também no mundo. Como a senhora viu as atitudes tomadas por ele no tempo em que governou este país?
R: Mandela é querido no mundo inteiro, mas acho que ele estragou este país no sentido de liberdade. Poderia ter concedido desde o começo, não completamente, ele acabou abrindo as portas. Eu falava para o meu marido que o meu sonho era poder ir no parlamento para dar um abraço no Mandela.
TN- Muitas pessoas dizem que após o Apartheid a figura respeitada do Mandela impediu um novo conflito racial e que este país seria um barril de pólvora preste a explodir novamente. A senhora concorda?
R: Eu acho que não, o cenário é outro e para mim as cabeças de hoje em dia são diferentes. Você vê muitos negros e brancos namorando, naquela época se acontecesse certamente seriam discriminados e punidos. Antigamente as empregadas tinham um quarto e um banheiro para elas, os brancos iam lá, se a polícia pegasse a pena seria pesada.
TN- A senhora juntamente com os imigrantes que vieram tentar a vida se sentem parte responsável pelo crescimento deste país?
R: Eu acho que sim, por que não tinha nada e eles construíram estradas, represas, toda uma estrutura. Meu marido trabalhou três anos em uma barragem, foi uma aventura que com certeza que a gente nunca esquece.
TN- Que recado a senhora dá para quem deseja fazer esta aventura que a senhora fez?
R: Que pense bem antes de tomar alguma atitude, pois hoje em dia o cenário é diferente em relação a quarenta e seis anos atrás.
Dirce Carvalho Feliceti, Imigrante brasileira na África do Sul a 46 anos.