Tu tomavas banho de piche, branco e, ficava preto também
Que Bloco é Esse?
1. Afirmação da Identidade Negra
A música inicia com uma pergunta que ecoa como um grito de identidade:
"Que bloco é esse? Eu quero saber.
É o mundo negro que viemos mostrar pra você."
Aqui, há uma clara intenção de afirmar a presença, a força e o protagonismo da população negra dentro de um espaço historicamente marcado pela marginalização e pelo apagamento cultural. Segundo Munanga (2004), a construção de uma identidade negra no Brasil é uma resposta direta aos processos de negação da cultura africana presentes desde o período colonial.
2. Estética e Resistência: Black Power e Cabelo Duro
Ao dizer:
"Somo crioulo doido, somo bem legal.
Temos cabelo duro, somo black power."
O cabelo "duro", frequentemente alvo de estigmatização, aqui é ressignificado como símbolo de resistência e beleza. O termo "black power" não é apenas uma estética, mas remete diretamente ao movimento negro norte-americano dos anos 1960 e 1970, que defendia o orgulho racial, o empoderamento e os direitos civis (Collins, 2019).
3. Crítica à Branquitude e à Apropriação
O verso:
"Branco, se você soubesse o valor que o preto tem,
Tu tomava um banho de piche, branco, e ficava preto também."
traz uma crítica contundente à sociedade racista e à invisibilização das contribuições negras na formação do Brasil. É uma inversão simbólica da lógica da branquitude, conceito que, segundo Nogueira (2009) e Hooks (2019), opera como parâmetro de beleza, poder e aceitação social.
Além disso, há uma crítica à superficialidade da apropriação cultural:
"E não te ensino a minha malandragem,
Nem tão pouco minha filosofia."
O conhecimento, a malandragem e a filosofia negra são intransferíveis sem o devido respeito à ancestralidade e à vivência do povo preto.
4. Ancestralidade e Proteção Espiritual
O verso:
"Quem dá luz a cego é bengala branca em Santa Luzia."
faz referência à espiritualidade afro-brasileira e à sabedoria ancestral. Santa Luzia, padroeira dos olhos, é invocada como metáfora para quem não enxerga ou não quer enxergar a riqueza da cultura negra.
Referências Bibliográficas
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Collins, Patricia Hill. (2019). Pensamento Feminista Negro: Conhecimento, Consciência e a Política do Empoderamento. São Paulo: Boitempo.
➡️ Fundamenta a relação entre estética, empoderamento e resistência no contexto do black power. -
Munanga, Kabengele. (2004). Rediscutindo a mestiçagem no Brasil: identidade nacional versus identidade negra. Petrópolis: Vozes.
➡️ Discute como a identidade negra é construída em oposição ao mito da democracia racial. -
Hooks, Bell. (2019). Olhares Negros: Raça e Representação. São Paulo: Elefante.
➡️ Trabalha como a estética negra é lida, exotizada e marginalizada dentro de uma sociedade estruturada pela branquitude. -
Nogueira, Oracy. (2009). Preconceito de Marca e Preconceito de Origem: Sugestões para uma Sociologia do Brasil. São Paulo: Edusp.
➡️ Discute como o preconceito racial opera no Brasil, especialmente a partir da aparência física (cor da pele, cabelo, traços). -
Nascimento, Abdias do. (1978). O Quilombismo: Documentos de uma Militância Pan-Africanista. São Paulo: Perspectiva.
➡️ Defende a organização social e política do povo negro como forma de resistência ao racismo estrutural.