28 fevereiro 2012

A Raiz da História #12 -6 dedos de cabelo

Agora eu sou NEGUINHA, tenho SANGUE e CABELO criolo!
Por:Ingrid do Rio

Foi hoje! O dia que me libertei de tudo o que me mantinha no padrão americanizado, sempre escondi meus crespinhos atrás de químicas, alisamentos, chapinha, escova e todas essas coisas que fazemos para nos manter no padrão “eu sou alisada” que a sociedade nos impõe.

Desde criança sempre sofri um pouco com essa questão dos cabelos, as pessoas não admitiam eu ser “branquinha” e ter “cabelo duro”, então já cresci me questionando e questionando meus pais o porquê de eu ser assim. Como eu tinha um cabelo muito volumoso, difícil de cuidar todos os dias e minha mãe trabalhava, ela sempre me enchia de trancinhas para não ir pra escola com o cabelo todo bagunçado, pegar piolho e aquelas histórias de mãe. Sempre fui muito bem aceita pelos meus colegas, todos adoravam as minhas trancinhas e até tinham meninas que queriam as minhas trancinhas, mas eu não me aceitava, desde cedo eu fazia as pessoas me aceitarem porque um dia meu cabelo seria liso e escorrido como o delas, e não porque eu tinha um cabelo afro lindo.

Na época de pré-adolescência, independente do quão diferente você seja, você é praticamente obrigado a seguir a “modinha do momento”, como eu já tinha chegado nessa fase eu não podia chegar ao ensino fundamental magrela, branca, alta e com trancinhas, isso era o que eu pensava na época. Então como minha mãe não podia me forçar a ir à escola de trancinhas, comecei a fazer relaxamentos “de leve” só pra controlar o volume do “fuazão” (assim, que minha chama os cabelos crespos... rs) e tentar ser parecida a “todo mundo normal”. Eu achava que estava indo bem, todos os dias com o cabelo preso e molhado sem vida, sem graça, meus cachinhos foram desaparecendo e para mim estava tudo bem, até porque meu sonho era alcançar o cabelo liso e perfeito.

O ápice da minha felicidade foi o surgimento da minha ex-dupla favorita: CHAPINHA e ESCOVA PROGRESSIVA, essa foi minha maior felicidade, parecia q eu tinha descoberto algo que mudaria minha vida para todo o sempre. Realmente mudou!

Me sentia linda, andava pelas ruas com os cabelos esvoaçantes, e ai de quem dissesse que eu não tinha cabelos lisos, me achava a “top da balada” com cabelos lisos, até que as raízes que eu tanto negava resolviam aparecer (sim, a progressiva durava somente 1 mês nos meus crespinhos) e destruir meu visual escorrido. E nessa brincadeira passaram-se muitos anos de um cabelo que eu imaginava ser liso, de um cabelo que não era meu, de um cabelo que não nascia da minha cabeça.


Em um belo dia de sol resolvi trocar de progressiva, ficou perfeita: paguei barato, a cabeleireira cortou meu cabelo torto, senti uma queimação muito grande no couro cabeludo e vários fios quebrados. Estava tudo lindo, a escova japonesa custou barato (porque não era de boa qualidade), meu cabelo durou 6 meses lisos (porque tinha muuuuito formol) e com isso ganhei uma bela de uma escamação, que lindo, meus fios estavam sempre com caspas e pedaços enormes de couro cabeludo que se descamavam a qualquer sinal de vento, escova, pente ou lavagem. Depois desse episódio, comecei a pensar remotamente na possibilidade de usar meus cabelos naturais, mas nesse caso, quando não se está preparada, caímos na tentação do poderoso formol de todos os dias. Voltei para a minha cabeleireira de origem e fiz outra progressiva, que lindo, paguei caro, meu cabelo não ficou tão bom, ela acertou o corte, durou 1 mês e eu estava feliz, só o que importava era ele “ser” liso, mesmo que fosse por 1 mês.

Mas o que importa né? O importante é ser alisada, o importante é se sentir linda com um cabelo que está longe de ser o seu cabelo natural, o importante é não notarem que seu cabelo não é naturalmente liso, o importante é... o importante é... O que importa seu meu cabelo é “duro”? O que importa se ele é volumoso? Nada disso importa, ele também é lindo, macio, esvoaçante, estiloso, charmoso... Do jeito que ele é, ele é lindo! Do jeito que ele nasceu, lindo, sem artifícios.

A partir dessas idéias comecei a me questionar, me perguntar o porque de ser alisada, o porque de esconder minhas raízes, o porque de querer negra somente na pele e matar as minhas raízes que sempre cresciam mais fortes do que nunca, o porque de eu me adequar ao padrão que a sociedade me impôs, porque que meu cabelo tem que ser do jeito que eles querem?

Nessa parte da história é onde eu me liberto, matei todos os meus fantasmas (que eram brancos e tinham cabelos escorridos... rsrs), me livrei de todos os medos e decidi cultivar “minha moita da dureza”, sim, resolvi deixar minhas raízes se transformarem em verdadeiras madeixas encaroladas, enroladas, embaraçadas, bagunçadas e lindas!

Passei a amar todo e qualquer “volumezinho” e que via nas cabeças alheias nas ruas de SP, me sentia igual a elas e eles, me sentia parte de cada cachinho. Comecei a garimpar todo esse universo do cabelo afro, fiz amizades com pessoas de cabelos lindos, procurava blogs, sites, páginas relacionadas ao assunto, profissionais, simpatizantes, enfim tudo o que servia de informação.

Tomada à decisão, só me faltava coragem para cortar toda a parte “podre”. Foi um longo processo, dias e dias de coque, indo trabalhar de coque, indo a eventos de coque, indo a festas de coque, indo a shows de coque, indo a churrascos de coque... Gente nessa história do coque uma descoberta: eu tinha VERGONHA do meu CABELO LISO, isso mesmo! Eu tinha vergonha dele, por isso usei coque todos os dias até chegar o dia da liberdade.

E nesse processo, sempre tem o anjinho e o capetinha, que ficam “buzinando” na orelha: “Isso, deixa seu cabelo natural, vai ficar lindo!”, “Nãoo, faz progressiva, não vai alisar esse cabelo, não? Você não vai usar esse cabelo armado, né? Isso não combina com você!”. Agradeço a todos os meus anjinhos pela força, principalmente a Gabriele Menegheti que me apoiou desde a tomada de decisão, e agradeço também aos meus diabinhos, seus lindos, vocês me deram mais força para remar contra a maré e fazer o que eu realmente tinha vontade.


E chegou o dia! Era Véspera de Natal, passei a semana inteira em prantos esperando pelo sábado, uma mistura de pânico, medo, ansiedade, adrenalina, vontade de chegar logo o grande dia, enfim todos os sentimentos bons e ruins juntos e misturados. Entrei no salão “com a cara e sem a coragem”, sentei e esperei pela minha vez, eu estava tensa minhas mãos suavam, minhas pernas tremiam e quando a cabeleireiro falou: “Vem Ingrid, é a sua vez” me deu uma vontade imensa de correr, mas fui.

A primeira madeixa foi o pontapé inicial (lógico) para me encorajar mais, depois dela me tornei mais forte a ponto de largar a tensão, sorrir e esperar pelo resultado. Uma hora e meia, 3 cortes para chegar em 6 dedos de cabelo, é, foi isso o que sobrou do meu cabelo, 6 dedos de raiz forte, 6 dedos de cachinhos volumosos, 6 dedos de cabelo que vão se multiplicar em muitos fios novos, cacheados e lindos!

É inexplicável o sentimento que estava em mim quando saí do salão, uma sensação de liberdade, vontade de gritar “eu nasci com esse cabelo lindo”, orgulho, sabe, de ter meus cachinhos (por mais que eles ainda não estivessem bonitos), eles são meus eu nasci com eles.

Estou me sentindo mais linda como nunca me senti antes, tenho orgulho dos meus cachinhos, amo todos eles um por um, do mais sem forma até o mais formoso, não tive a “preocupação de me preocupar” com a aprovação das pessoas, saí na rua com meus cachos assumidíssimos e arrasei, claro que, tem sempre as pessoas que vão te reprovar, que vão ter preconceito, que vão te aceitar um dia ou não, mas não me importo, na verdade, nunca me importei. Aliás, me importava sim, por isso que fui americanizada um dia, ou melhor, não me importo mais com o que eles dizem o que importa é a minha felicidade com meus cachinhos.

Assumi sim e sou muito feliz com os meus cachinhos, agora eu sou NEGUINHA, tenho SANGUE e CABELO criolo!

#voceleu A Raiz da História
Bem, assim como tem em alguns blogs, aqui você vai pode conta a história do seu
cabelo. Contar todo o processo, seus medos, os resultados, o que ajudou . . .
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pro e-mail:trancanago@gmail.com No assunto: A Raiz da História.