13 janeiro 2011

EU VENCI parte1 de2

Imigrante brasileira na África do Sul contou sobre sua vida no continente africano

Por: Leandro Gaignoux

Trança *Nagô*- A senhora viveu o auge do apartheid, como foi conviver com isso?
"...Os sul-africanos brancos judiaram muito dos negros. No fim do expediente eles se sentavam e faziam os negros tirarem os sapatos deles, e se não tirassem, apanhava..."

Quinze dias cruzando o oceano Atlântico dentro de um navio, este foi o tempo de viagem para chegar ao destino final: África do Sul, uma terra com uma realidade bem diferente do habitual. Sem dúvida que a incerteza estava presente em todos estes passageiros que no dia 15 de dezembro de 1965 desembarcaram em Cape Town para uma vida nova. Filha de imigrante português e moradora do estado de São Paulo, Dirce Carvalho Feliceti e seu marido, Cosme Feliceti, juntos de seu casal de filhos vieram para África pensando em passar três anos e retornar ao Brasil, mas foram ficando e quando se deram conta, quarenta e seis anos se passaram. De forma tranqüila e descontraída ela nos contou um pouco de sua aventura:

Trança Nagô- Dona Dirce como era sua vida ainda no Brasil?

R: Minha vida no Brasil era boa, a gente tinha uma tinturaria, eu com meu marido e meus filhos. Nós trabalhávamos todos juntos.

TN- A decisão de vir tentar a vida na África do Sul, como surgiu?

R: No Brasil estavam pedindo imigrantes para vir trabalhar aqui, faltava mão-de-obra para trabalhar como mecânico e soldador. Aí meu marido fez a aplicação, demorou, mas acabou saindo. Fomos muito bem recebidos, tínhamos a ajuda da imigração, eles levaram a gente para comprar móveis, arrumaram casa, nunca nos deixaram na mão.


TN- Qual foi a sensação quando soube que a aplicação tinha sido aprovada?

R: A sensação foi boa, tive que vender a minha casa para morar de aluguel até a aplicação ser aprovada. O rapaz que tratava disto nos passou a perna, só pensava em ganhar dinheiro, quando meu marido ia cobrar ele dizia que ainda não tinha uma resposta. Um dia o Cosme se enfezou e falou que se ele não desse a nossa residência ele iria matá-lo. Mas falou por falar, nem revólver meu marido tinha. Na outra semana ele veio com a aplicação, estava tudo pronto, era apenas uma forma de tirar dinheiro da gente.

Leandro Gaignoux diretamente da
África do Sul

TN- Antigamente a África do Sul não era um destino tão procurado como Europa, Estados Unidos, para tentar uma nova vida. A senhora veio com toda a família, não falava inglês, em algum momento bateu a insegurança?

R: O inglês foi difícil. Eu levantava cinco horas da manhã para comprar carne por que não tinha ninguém, eu apontava por que tinha vergonha quando tinha alguém. O que nos salvou foi o Kibazar, lá você colocava a mercadoria no carrinho e só levava na caixa para pagar. Eu tinha um ódio de ir à loja, mulher gosta muito, entrava e lá vinha a vendedora falando: Can I help you? E eu lá sabia o que ela estava falando.

TN- Como foi lidar com o fato de não falar inglês?

R: Era difícil, na época eu fiquei doente, me perguntava como eu iria fazer. Recomendaram uma portuguesa que era interprete e aí peguei o telefone e liguei, mas ela me disse que eu teria que ir buscá-la e deixá-la de táxi. Naquele tempo ela cobrava cinco Rands por hora, era muito dinheiro. Com o tempo eu comecei a pensar a ligar mais para o inglês, meu marido me disse uma vez que se encontrasse revista portuguesa aqui em casa, seja de quem fosse, ele iria rasgar. As portuguesas arrumavam Grande Otelo, Capricho e me emprestavam. Pensei: Ele vai me fazer passar vergonha, imaginei, como vou repor esta revista? Parei e decidi me aprofundar mais na língua. Arrumei uma amiga africana, ela vinha do trabalho e todo dia ia lá em casa, quando eu a via, ficava arrepiada e falava: Meu Deus, e agora? Ela pegava as coisas e me mostrava tudo, toda semana nós íamos fazer compras juntas. Disse que ela poderia me corrigir que eu não iria achar ruim. Aprendi rapidamente e no fim eu venci.



TN- Hoje em dia sente alguma falta do português?

R: Eu gosto muito da nossa língua, quando eu encontro uma pessoa na qual eu posso falar em português é bom. Nós somos diferentes, comunicativos, não sei, nosso coração é diferente, por exemplo: Você não olha para um negro com raiva, você olha com pena, por que agora não é ele que está passando necessidades, mas foram os pais, avós. É uma pena, a África é linda, eu adoro a África do sul. Talvez seja por que tenho meus filhos e netos aqui, não tenho coragem de deixar ela sozinha de jeito nenhum.

TN- Interessante é ver a quantidade de brasileiros que a senhora conhece, nos conte como começou esta relação de amizade?

R: Nós fazíamos pastel e na época o Cosme pediu autorização para o embaixador deixar nós vendermos o pastel na embaixada. O pedido foi concedido e daí comecei a conhecer comandantes, coronéis, funcionários e com isso já estávamos inseridos no ciclo.

TN- Há quarenta e seis anos vivendo aqui, a senhora se sente mais brasileira ou sul-africana?

R: Não gosto do Brasil, vou ser franca. Meu marido se aposentou e nós voltamos para o Brasil, pois ele disse que queria morrer na terra dele. Vendemos tudo que nós tínhamos e saímos da casa somente com as malas. Mas não adiantou não nos acostumamos. Tenho filhos e netos aqui, eles me ligavam e falavam para nós voltarmos. O meu neto me escrevia cada carta. Um natal eles foram passar conosco, lá resolvemos vender tudo de novo e assim voltamos com eles.


(contínua...)